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Tributação de atividades suplementares ao serviço de telecomunicação no TIT-SP

26/04/23

Tenho levantado em meus artigos publicados no âmbito do Observatório de Jurisprudência do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (TIT-SP) a preocupação com a inobservância e aplicação inadequada de precedentes dos tribunais superiores, especialmente para manter autuações contra os contribuintes. As consequências negativas dessa postura são muitas, destacando-se a excessiva litigiosidade e os já conhecidos custos dela decorrentes.

O presente artigo enfrenta novamente essa questão. Ao analisar os julgados da Câmara Superior do TIT-SP publicados entre 1º/3/2023 e 31/3/2023, identifiquei dois casos (Autos de Infração 4115300-5 e 4088664-5) que enfrentam o tema da incidência do ICMS sobre atividades conexas ao serviço de telecomunicação já pacificado favoravelmente aos contribuintes em diversos julgados do STJ, inclusive em sede de recurso repetitivo da controvérsia. Analisarei adiante esses casos.

No Auto de Infração 4115300-5, o contribuinte foi autuado sob a alegação de falta de pagamento do ICMS sobre as atividades de 1) aluguel de equipamentos (decodificador, modem e roteador) inerentes aos serviços de telecomunicações e 2) gerenciamento de rede necessária à fruição dos serviços de telecomunicações (gerenciamento dos serviços de telecomunicação através do fornecimento de relatórios, como relatório de falhas na rede, da comunicação de dados, de gerenciamento de tráfego, entre outros), além de outros itens não relevantes para a presente discussão.

A 8ª Câmara Julgadora do TIT-SP havia cancelado os itens descritos acima por entender que 1) o aluguel de equipamentos configura cessão de bens e, portanto, uma obrigação de dar não qualificável como serviço (seja de comunicação ou qualquer outro); e 2) o serviço de gerenciamento de rede configura serviço de valor adicionado que, a despeito de complementar o serviço de comunicação, com ele não se confunde. Ao apreciar o recurso fazendário interposto contra essa decisão, a Câmara Superior reviu esse entendimento para manter as autuações.

Segundo o voto do relator, que restou vencedor, tanto locação de equipamentos quanto serviços de gerenciamento de rede são inerentes à prestação do serviço de telecomunicação e, portanto, não podem ser dele dissociados. Sem adentrar nas minúcias da atividade desenvolvida ou mesmo mencionar os precedentes do STJ sobre o assunto, que descartam a essencialidade como elemento intrínseco à materialidade do imposto, o voto vencedor se restringiu a replicar trechos dos acórdãos apontados como paradigma pela Fazenda Estadual e da Solução de Consulta 17.971/2018 para fundamentar a decisão.

Importante destacar os votos de preferência proferidos pelos Ilustres Juízes Juliano Di Pietro e Edison Aurélio Corazza que, a despeito de vencidos, refletem adequadamente a farta jurisprudência consolidada pelo STJ sobre o assunto[1] e expressam, acima de tudo, preocupação da qual compartilho quanto à necessidade de uniformização da jurisprudência, preservação da segurança jurídica e redução da litigiosidade. Abaixo transcrevo alguns trechos dos referidos votos:

“Voto de Preferência do Juiz Juliano Di Pietro:
Com efeito, a locação de aparelhos móveis pelos quais se dá a comunicação ou outros serviços preparatórios, acessórios ou intermediários que não a prestação de serviço de comunicação propriamente dita escapam do campo de incidência do ICMS, razão pela qual, por força do princípio da estrita legalidade, a exigência do imposto em tais situações mostra-se deveras ilegal.
(…)
Portanto, com a devida vênia a entendimentos contrários, continuo eu firme na posição de que as atividades-meio, sejam elas preparatórias, acessórias ou intermediárias do serviço de comunicação, tais como o são a locação de bens móveis e o gerenciamento de rede, não estão compreendidas no campo de incidência do ICMS, eis que o referido imposto somente incide.
Ademais, destaque-se que, nos termos dos artigos 332, inciso II, 927, inciso III e 928, inciso II, todos da Lei nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil – CPC), será julgado liminarmente improcedente o pedido que contrariar acórdão proferido pelo E. Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos, como sói ocorrer in casu
Daí que, acaso mantida a presente autuação, eventual Execução Fiscal promovida pela Fazenda Pública com vistas à cobrança do crédito tributário discutido no item I.1, deverá ser extinta liminarmente, porquanto contrária à jurisprudência do E. STJ, julgado em Repetitivo (Tema 427)” (sem destaque no original).

“Voto de Preferência do Juiz Edison Aurélio Corazza:
2.1. Repetindo o quanto já dito, temos que o STJ já pôs fim a referida discussão, atribuindo a sua decisão o efeito dado aos recursos repetitivos, o que representa dizer que a decisão do recurso repetitivo tem caráter vinculativo, conforme artigo 1.039 do CPC/2015, de modo que os recursos judiciais que versem sobre a tese firmada serão declarados prejudicados ou julgados em conformidade com a tese firmada, ou, em outras palavras, a matéria, em tese, deve ser definida pelo Tribunal de Justiça Paulista, nos termos decidido pela Instância Especial, posto que, nos termos da Súmula 83 do STJ não se conhece dos recursos quando a orientação do tribunal judicial não se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.
2.2. Por certo, não está este tribunal administrativo vinculado ao quanto decidido pelo julgado na sistemática de recurso repetitivo, por força de ausência normativa na lei que regula o processo administrativo contencioso tributário. 
2.3. Entretanto, nos termos do artigo artigo 926 do CPC: Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. Coerência esta com o sistema em que se encontra inserido, em especial aqueles que se submetem a jurisdição de instâncias superiores, ainda que de outras esferas. 
2.4. Isso porque é a uniformização da jurisprudência de um sistema jurídico que garante a certeza do direito, sendo a aderência aos precedentes não só instrumento da segurança jurídica, como também fator de diminuição da litigiosidade e movimentação da máquina judiciária, com custos aos Estado-juiz e ao Estado Administração, desnecessários quando sabido que suas decisões contrariam o decidido em instâncias máximas” (sem destaque no original).

No Auto de Infração 4088664-5, o contribuinte foi autuado sob a alegação de falta de pagamento do ICMS sobre as atividades de Colocation, Consumo Mínimo, Conversa a 3, DDD, Identificação de Chamadas, Interligação VOX NG, LDN, LOCAL, Locação de Infraestr Turbonet, Mensalidade de Serviço Premium, Ethernet, Meu E-mail, Meu Site, Pacote, Protect, SOS, Serviço Internet Corporativa, Serviço VPN, Serviço de Autenticação Turbonet, Serviços Avançados de Internet, Suspensão Temporária a Pedido, Telefone Alcatel, VC1, VC2 e VC3. A decisão da 3ª Câmara Julgadora manteve a autuação sob o fundamento de que os valores recebidos a esse título correspondem a serviços de comunicação e devem ser incluídos na base de cálculo do ICMS.

Assim como ocorreu no julgamento do Auto de Infração 4115300-5 relatado acima, o voto da relatora que restou vencedor negou provimento ao Recurso Especial do contribuinte sem adentrar no mérito das atividades desempenhadas e abordar a análise da tributação dessas atividades pelo STJ. Houve mera reprodução de precedentes da Câmara Superior sobre o assunto que insistem em ignorar a pacificação da matéria pelo Poder Judiciário.

Não se ignora o fato de que o TIT-SP não está vinculado por lei aos precedentes do STJ — a despeito da linha de argumentação de aplicação subsidiária do CPC ao processo administrativo[2] —, tampouco se está tentando retirar do tribunal a autonomia para analisar a identidade entre a orientação dos tribunais judiciais e o caso concreto. Ainda, para alguns que sustentam essa linha de atuação, também não se está impedindo o tribunal administrativo de coibir planejamentos tributários abusivos e negócios jurídicos praticados sem substância. Entretanto, como observamos ao menos dos casos concretos analisados acima, é preciso refletir se a atuação da Câmara Superior não resulta em dispêndio desnecessário de esforços e recursos.

Se não é possível contar com o empenho do tribunal em garantir segurança jurídica, razoabilidade, eficiência, economia processual e responsabilidade com os recursos dos contribuintes que arcam com a máquina pública, precisamos evoluir com urgência no debate sobre a reforma do processo administrativo (de forma que o tribunal administrativo esteja vinculado às decisões proferidas pelos Tribunais Superiores em sede de repercussão geral e recurso repetitivo) e a reforma tributária (para estabelecer uma base ampla de incidência e retirar das pautas dos tribunais casos de conflitos de competência e lacunas legislativas).

Autoria

Gabriela Conca – Mestre em Direito (LL.M.) pela Harvard Law School. Pós-graduada em Economia pela Fundação Getulio Vargas. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pesquisadora do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF-FGV/SP. Professora do curso de pós- graduação (LL.M.) em Direito Tributário no Insper. Sócia da área tributária de Franco Leutewiler Henriques Advogados

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